Duche

Já não sei se aquilo que escorre pelo meu corpo é água ou se são as lágrimas que chorei em nosso nome. O líquido que me devia limpar faz-me sentir mais suja.
Estou a sangrar e não sei se é uma hemorragia natural iniciada no meu ventre ou se sangro dos cortes profundos que deixaste nesta pele que te amou. Sei apenas que está tingida do vermelho desse amor e não a consigo lavar.
Olho para baixo e não há pés ou pernas que me segurem. Levaste-os contigo quando fugiste a correr.
As minhas mãos tremem com o meu corpo e o chuveiro cai num estardalhaço que ninguém no bairro ouvirá pois será abafado pelo desespero e pela angústia do meu grito de dor.
O que resta de mim está deitado em posição fetal na banheira com o líquido pelo nível do nariz e espera que o resto da enchorrente o afogue e que daqui a nove meses renasça completo e então finalmente poderá cortar este cordão umbilical que me liga a ti.

(30 de outubro 2017)

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