Rotina Noturna

Dorme, rapariga, pois estás cansada. A máscara que usas durante o dia é recarregada pela tristeza noturna que sentes quando estás sozinha.
A cama é o palco para o espetáculo de aberrações cujo título é o teu próprio nome. Dança. Dança! DANÇA! À volta de ti mesma.
Conjura o fantasma que te abandonou e vocaliza o cântico. Canta! GRITA! A loucura, a confusão.
Cai orgasmicamente no momento em que sentires tudo menos prazer.
Dorme, rapariga, pois isto não é uma festa para o que te assombra.
Sabes onde estão os comprimidos.

(23 de outubro de 2018)

Uma razão pela qual o teu telefone não toca

Precisar de ti é demasiado intenso.
Querer falar contigo é demasiado íntimo.
Coloco a minha única cassete no leitor porque sei que tens uma igual e elevo o volume ao máximo.
Deito-me.
Desligo o telefone e por isso o teu não toca.

(18 de outubro de 2018)

Não é amor

Encontra-te nos seus olhos e perde-te nos dias em que não os vês. Pensa nesses dois pequenos portais mundanos antes de ires dormir e sente-te em casa.
Estende a mão e toca na sua face, solta um suspiro e envolve o seu corpo de seguida.
Não é amor, isso sabes.

9 de agosto de 2018

Lar, doce lar

No terraço o ar é fresco e uma cadela espera, com a língua de fora, que alguém vá brincar com ela.
No interior o ar é quente, abafando os seres que lá habitam e entregando-os ao sono demente da existência.
Os pássaros não cantam, mas piam agitados, no exterior desta casa da decadência.

(1 de julho de 2018) 

Cinto de segurança

Quero que o carro capote
Para sentir alguma liberdade
Em relação a este cinto que aperta
E nem sequer está posto

(16 de junho de 2018)

Chove Na Primavera

Chove na primavera, o chão fica enlameado e não vemos para onde estamos a ir mas sabemos que tomamos a direção certa porque as nuvens do céu noturno vibram de luz.
Os nossos sinais rodeam-nos enquanto focos celestes brilham incessantemente ao som de um corvo supersticioso que dança no seio das suas sementes. A sua voz eleva-nos aos céus mais do que qualquer arrebatamento o fará. Estamos nus. Somos um só.

(10 junho 2018)

 

Reflexos

O meu corpo rejeita imagens tanto como as recebe ou cria.
A minha mão encolhe-se, refugia-se e tenta fugir de si mesma ao lembrar-se da tua, que um dia lhe pegou e hoje talvez pegue noutra.
Os meus joelhos acertam no ar onde um dia o teu ventre esteve sobre o meu, umbigos alinhados e raízes entrelaçadas.
A minha cabeça abana freneticamente, escapando aos beijos que me deste e que não voltarás a dar.
Durmo dezasseis horas para tentar fugir ao teu fantasma, mas quando acordo é a ele que estou abraçada.

(11 de maio de 2018)

Doggod

Estou particularmente depressiva. Simplesmente estou porque tudo e de tudo nada e de nada tudo e sempre assim.
Estou dentro a ver de fora. A sentir, a querer, a agir e ninguém a reparar ou lembrar sequer.
Quase fantasmagórico.
Existo? Tenho quase a certeza que sim. Mas parece-me que não.
Até um cão existe mais do que eu. As pessoas têm mais consciencia dele. Criam mais versões dele que não as que ele mesmo criou, são-lhe todas exteriores a partir de certo ponto. A sua existência é mais extensa de modo que existe mais e melhor.

(24 de março de 2018)

TENHO SAUDADES TUAS

TENHO SAUDADES TUAS
Gritei eu
Num penhasco
Ao vento 
Num dia de nevoeiro
Dentro da minha cabeça 
Enquanto estava deitada
Na cama
E sentia o frio 
Que vinha
Do lugar
Onde te deitavas

(7 de fevereiro de 2018)

Insónia Em Sí b

Num fundo preto duas agulhas brancas metálicas prefuram os meus ouvidos como um sí bemol do extremo direito do piano tocado continua e fortemente.
Tenho apenas por companhia a minha mente e o meu corpo, mas ela é deprimida e agressiva enquanto ele já não me desperta o interesse de outrora.
Debaixo da minha cama está escondida uma garrafa de sangria barata sem um terço do seu conteúdo, mas amanhã tenho aulas logo de manhã.
Liguei o candeeiro de lava, mas está frio e a lâmpada ainda não aqueceu o suficiente pelo que o líquido azul e verde está parado na sua beleza aborrecida e eu queria dormir.

(23 de janeiro de 2018)

Charlie

Corremos. Os foguetes rebentavam demasiado próximo e corremos. Antes disso já estavamos ofegantes porque riamos. De quê? Não sei... alegria e histeria bebeda sem álcool.
A areia estava molhada e sentamo-nos e deitamo-nos enquanto o céu ficava turvo, não de nuvens mas de fumo, e se coloria de branco, amarelo, verde, azul e vermelho.
Suponho que houvessem estrondos que não ouviamos. A nossa música estava alta mas só nós é que a escutávamos individualmente.
O ano passado explodia espatacularmente acima das nossas cabeças, em frente aos nossos olhos, e as suas cinzas e pequenos papeis incandescentes choviam para os nossos rostos extasiados e para a areia molhada.

Na realidade o ano passado estava intacto tal como os nossos eus independentemente de todas as promessas e resoluções que pudessemos dizer. Mas aquele espetáculo de luz e som criado parcialmente por técnicos e parcialmente por nós era o que precisávamos momentaneamente para acreditar que podiamos ser felizes algures no futuro porque o tempo não pára e não nos deixa parar.
Enrosquei-me, respirei aquele ar queimado "e naquele momento, juro que éramos infinitos."

(3 de janeiro de 2017)

Ew

Quero vomitar a personalidade que me está a controlar e descarregar o autoclismo enquanto a vejo, ensanguentada, a afogar-se e desaparecer. Ela é um ser vérmico, mole e cor de rosa com uma camada peganhenta de muco exterior.
No momento em que a vomito fico a olha-la e questiono-me como é que aquilo esteve dentro de mim, como aguentou tanto tempo alojada e como é que saiu. Sinto nojo daquilo que até ao momento era uma parte de mim, o essencial do meu eu. E depois sinto um agradável arrepio de liberdade, o verme já não está em mim. E então pressiono o botão do autoclismo com prazer e vejo-o a desaparecer.
Mas como todos os parasitas, deixou ovos que darão continuidade ao seu trabalho para trás.

(23 de dezembro de 2017)

Pseudo Manifesto Dadaísta

Vida é só da vezes dois.
Dada.
Uma aleatoriedade sem sentido falsamente lógica. 
Aquele toque? Significou nada!
Genocídio aquele? Nada significou!

Pena. Ena! Henna. Hiena,
Ri-te!
Alma? Só se o amor a provar.
HA! E o que é amor?
Como é amor?
Só cérebro!
Nada então!

Podes morrer agora.
Ou não. 
O teu lugar será na morgue.
Nada vale a pena.

(Fernando Pessoa,
despertas em mim
a vida só com da vezes dois.)

(30 de novembro de 2017)

Desabafo De Uma Decadente

Estou. Como estou? Onde estou? O que estou? Não sei. Simplesmente estou.
Sinto. Como sinto? Onde sinto? O que sinto? Sinto a minha pele a ser rasgada grosseiramente pelas tuas mãos ardentes. Sinto os meus ossos a partirem-se, a desaparecerem do caminho enquanto procuras a minha alma. Sinto-te a arrancar os meus músculos enfraquecidos e a amontoa-los como lixo.
"Como lixo", mas a minha intenção não era uma comparação. Não, os meus músculos são lixo, tal como todo o resto do meu eu.
Cada lágrima que choro é um resíduo líquido da tristeza que injetaste em mim como veneno antes de ires. Cada arranhão é  vestígio do pânico, da dúvida e ódio próprio que me domaram após a tua partida. Cada pensamento, memória e fantasia são migalhas de falsa esperança e negação espalhadas pelo chão da cozinha e que juntas davam para montar uma padaria.
A cama só está quente porque é verão. O meu quarto é o Norte, onde os horrores de gelo governam. O que não levaste de mim está deitado, nu, à espera de definhar. Mas talvez não esteja de todo porque se não levaste tudo o que tinha levaste tudo o que era importante, levaste-te.

(23 de agosto de 2017)

Tsunami

Mar, rejeito-te
Pois tu és eu
Calmo e furioso
Alagando o mundo à tua mercê.

Na tua inconstância cíclica
Subordinada à Lua
A minha pessoa revê-se,
A gritar e sussurrar
De modo psicótico.

(22 de novembro de 2017)

Livro Aberto

Levaste todos os livros
Exceto aquele que eu sou.
Pegaste em mim cuidadosamente
Com a curiosidade a brilhar nos teus olhos.
Abriste-me, leste-me na diagonal e,
Apesar de te ter parecido aborrecido,
Prometeste voltar para uma leitura mais atenta.

Suavemente pousaste-me no balcão,
Sem ninguém a atender os pedidos 
Deixaste-ms aberto na exata página
Em que a minha história se tornava interessante.
E vi-te sair carregado de caixas cheias
De livros, quando aahele que mais te
Iria extasiar era aquele que deixavas
Para trás.

O pó acomula-se sobre as minhas páginas
E quando voltares
(Porque ainda espero que voltes)
Vais ter que me limpar e restaurar
Antes de me leres.
A não ser que me atires para a tua estante 
E te voltes a esquecer de mim.

(2 de novembro de 2017)

Sala De Espera

12 de setembro de 1994

Hayim,
Não me arrependo de nada! Quem é que eu quero enganar? Estavas lá e sabes que me arrependo de quase tudo por tudo recordar e saber que poderia ter feito melhor e mesmo assim se calhar arrepender-me-ia por saber que poderia ter feito melhor ainda. Por isso despeço-me de ti com paixão e sem saudade prévia.
Ironicamente o momento da realização do teu objetivo proporciona-me estreias inesperadas: estou rodeado por aquilo que é tão frágil aje o mero sussurrar do seu nome o destrói a desejar ouvir aquela música irritante vindar do andar de cima que por ti era-me trazida; também não me  importo de estar sozinho. É reconfortante saber que todas as lágrimas e tristezas estão unicamente dependentes de mim.
Espero que não tentes inscrever-te em mim de novo. Esta vez, que espero que tenha sido a única, foi-me suficiente. Este cansaço de mim mesmo chega-te como justificação, espero.
Fica onde estás que aceno-te daqui,
Sheol

(23 de novembro de 2017)

Um Poema Sem Recursos Estilísticos

Quero sentar-me ao teu lado
E falar-te sem medo,
Contar-te o meu dia
Enquanto o mar rebenta à nossa frente.
Deitar-me sonolentamente
E, quando o sol se puser,
Adormecer com tua mão pousada na minha cabeça,
Num sinal de que ainda ali estás
E de que não te vais embora.

(10 de novembro de 2017)

Na clave de fá

És o lá na minha partitura
Porque a corda lá do meu primeiro violoncelo
Estava assinalada a verde
E disseram-me que verde simboliza a esperança 
E esperança foi a primeira coisa que me trouxeste
Quando me fizeste rir numa tarde primaveril

(6 de novembro de 2017)

Rotina Noturna

Dorme, rapariga, pois estás cansada. A máscara que usas durante o dia é recarregada pela tristeza noturna que sentes quando estás sozinha. ...