Ew

Quero vomitar a personalidade que me está a controlar e descarregar o autoclismo enquanto a vejo, ensanguentada, a afogar-se e desaparecer. Ela é um ser vérmico, mole e cor de rosa com uma camada peganhenta de muco exterior.
No momento em que a vomito fico a olha-la e questiono-me como é que aquilo esteve dentro de mim, como aguentou tanto tempo alojada e como é que saiu. Sinto nojo daquilo que até ao momento era uma parte de mim, o essencial do meu eu. E depois sinto um agradável arrepio de liberdade, o verme já não está em mim. E então pressiono o botão do autoclismo com prazer e vejo-o a desaparecer.
Mas como todos os parasitas, deixou ovos que darão continuidade ao seu trabalho para trás.

(23 de dezembro de 2017)

Pseudo Manifesto Dadaísta

Vida é só da vezes dois.
Dada.
Uma aleatoriedade sem sentido falsamente lógica. 
Aquele toque? Significou nada!
Genocídio aquele? Nada significou!

Pena. Ena! Henna. Hiena,
Ri-te!
Alma? Só se o amor a provar.
HA! E o que é amor?
Como é amor?
Só cérebro!
Nada então!

Podes morrer agora.
Ou não. 
O teu lugar será na morgue.
Nada vale a pena.

(Fernando Pessoa,
despertas em mim
a vida só com da vezes dois.)

(30 de novembro de 2017)

Desabafo De Uma Decadente

Estou. Como estou? Onde estou? O que estou? Não sei. Simplesmente estou.
Sinto. Como sinto? Onde sinto? O que sinto? Sinto a minha pele a ser rasgada grosseiramente pelas tuas mãos ardentes. Sinto os meus ossos a partirem-se, a desaparecerem do caminho enquanto procuras a minha alma. Sinto-te a arrancar os meus músculos enfraquecidos e a amontoa-los como lixo.
"Como lixo", mas a minha intenção não era uma comparação. Não, os meus músculos são lixo, tal como todo o resto do meu eu.
Cada lágrima que choro é um resíduo líquido da tristeza que injetaste em mim como veneno antes de ires. Cada arranhão é  vestígio do pânico, da dúvida e ódio próprio que me domaram após a tua partida. Cada pensamento, memória e fantasia são migalhas de falsa esperança e negação espalhadas pelo chão da cozinha e que juntas davam para montar uma padaria.
A cama só está quente porque é verão. O meu quarto é o Norte, onde os horrores de gelo governam. O que não levaste de mim está deitado, nu, à espera de definhar. Mas talvez não esteja de todo porque se não levaste tudo o que tinha levaste tudo o que era importante, levaste-te.

(23 de agosto de 2017)

Tsunami

Mar, rejeito-te
Pois tu és eu
Calmo e furioso
Alagando o mundo à tua mercê.

Na tua inconstância cíclica
Subordinada à Lua
A minha pessoa revê-se,
A gritar e sussurrar
De modo psicótico.

(22 de novembro de 2017)

Livro Aberto

Levaste todos os livros
Exceto aquele que eu sou.
Pegaste em mim cuidadosamente
Com a curiosidade a brilhar nos teus olhos.
Abriste-me, leste-me na diagonal e,
Apesar de te ter parecido aborrecido,
Prometeste voltar para uma leitura mais atenta.

Suavemente pousaste-me no balcão,
Sem ninguém a atender os pedidos 
Deixaste-ms aberto na exata página
Em que a minha história se tornava interessante.
E vi-te sair carregado de caixas cheias
De livros, quando aahele que mais te
Iria extasiar era aquele que deixavas
Para trás.

O pó acomula-se sobre as minhas páginas
E quando voltares
(Porque ainda espero que voltes)
Vais ter que me limpar e restaurar
Antes de me leres.
A não ser que me atires para a tua estante 
E te voltes a esquecer de mim.

(2 de novembro de 2017)

Rotina Noturna

Dorme, rapariga, pois estás cansada. A máscara que usas durante o dia é recarregada pela tristeza noturna que sentes quando estás sozinha. ...