"Vou suicidar-me ou existir?"

Cessa o lápis que teima que deves existir. Ser miserável, olha-te ao espelho, faz o teu autorretrato e repensa a tua luta. Perdeste-a. Não há mais balas para disparares nem mais alvos a abater. Agora o único alvo és tu, decadente alma. Assina o armistício, recolhe o exército que és e espera que a morte te vá bater à porta.

(31 de outubro de 2017)

Duche

Já não sei se aquilo que escorre pelo meu corpo é água ou se são as lágrimas que chorei em nosso nome. O líquido que me devia limpar faz-me sentir mais suja.
Estou a sangrar e não sei se é uma hemorragia natural iniciada no meu ventre ou se sangro dos cortes profundos que deixaste nesta pele que te amou. Sei apenas que está tingida do vermelho desse amor e não a consigo lavar.
Olho para baixo e não há pés ou pernas que me segurem. Levaste-os contigo quando fugiste a correr.
As minhas mãos tremem com o meu corpo e o chuveiro cai num estardalhaço que ninguém no bairro ouvirá pois será abafado pelo desespero e pela angústia do meu grito de dor.
O que resta de mim está deitado em posição fetal na banheira com o líquido pelo nível do nariz e espera que o resto da enchorrente o afogue e que daqui a nove meses renasça completo e então finalmente poderá cortar este cordão umbilical que me liga a ti.

(30 de outubro 2017)

Se

Esqueçam todos os filmes de terror que viram até agora pois nenhum deles é verdadeiramente assustador. Uma boa história de fazer cagar as calças é aquela cuja personagem principal acabou de perder alguém e/ou cometeu uma série de erros lamentáveis. O monstro está na sua própria mente e toma a forma da palavra "se" enquanto revela ao personagem possiveis ações que estariam dentro do seu carácter mas, sendo diferentes daquelas que ele tomou, poderiam te-lo levado a um final mais feliz. Talvez tudo o que precisava de fazer era ter pensado um bocadinho mais ou um bocadinho menos.
Visões formam-se perante os seus olhos mas mesmo que os arranque elas já lá estão, gravadas na sua mente e por ela mesma criadas.
E tudo por causa da palavra "se".

(24 de outubro de 2017)

O Meu Peito É Um Canil

Arranca o meu coração e afaga-o como se fosse a cabeça de um grande cão amigável que procura mimos. Adota-o porque não tem dono. Passeia-o, exibe-o aos teus amigos, diverte-te com ele, mostra-lhe que mundo é o teu, torna-te no dele, brinca com ele e alimenta-o até estar gordo.
Quando chegar o verão, abandona-o no meio da rua. Deixa-o desorientado e vai de férias. Afinal de contas, era só um rafeiro qualquer.

(24 de outubro de 2017)

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa pintado na parede do meu quarto com tinta acrílica 

(segundo trimestre de 2017)

Mas não é lixo

A verdade é que a maior parte das vezes não fazemos a mínima ideia do porquê de estarmos a agir de certa maneira.
Tu não sabias porque é que pousavas a cabeça no seu ombro e não te consegues recodar da origem da tua vontade de o abraçares. Não sabes como o fizeste mas enviaste os sinais. E mais ainda, na época não só não sabias porque o fazias como de cada vez que te sugeriam um motivo hipotético por detrás das tuas ações parecia-te quase impossível que assim fosse.
Mesmo assim, abraçaste-o e escutaste o seu coração, sentiste a sua respiração, olhaste as estrelas e deixaste que fossem elas a iluminar o teu primeiro beijo na tua primeira festa. Tudo parou exceto o corpo dele e o teu, acompanhado de pensamentos de dúvida para contigo própria. Questionaste que amor poderias ter pelo outro quando menos de um mês depois deixavas que tal acontecimento noturno se desse e decidiste, então, que não mais o amavas.
E abraçados voltaram para onde o tempo corria e os sons soavam. Sorriam e falavam com os outros e abraçados se mantinham, como que um campeão a mostrar o seu troféu. Não o sabias conscientemente, mas naquela noite ele era o teu troféu e tinha gravadas em si as palavras "ultrapassei o passado". Era a prova que precisavas de mostrar àquele que um dia amaste e dizer-lhe que então não te importavas.
Com orgulho mantiveste esse prémio perto de ti até ele passar a ser o próprio jogo que desonestamente jogaste para ganhar.
Desconhecidas que o jogo era desonesto contigo e não houve vencedor no final. Cancelaram-no antes de chegar à melhor parte que nunca viria a chegar sequer. Paranóica tinhas previsto esse cancelamento antes do árbitro e nada disseste com esperança de conseguir evita-lo e marcar golo.
Realmente marcaste o tal golo, amaste o que fora um troféu e que naquele momento era tudo porque tudo é valioso. No entanto o apito final já tinha soado e a maior parte dos adeptos já lá não estava.
Ficaste sozinha num estádio sujo e terias que ser tu a limpar cada mancha e lata. Era-te impossível faze-lo sem recordares as tuas ações sem porquês.
Ainda lá estás, sentada a solo no ponto central, rodeada de manchas e latas que escolheste e a analisar cada uma delas, a imaginar o quão diferentes podiam ser ou ter sido. E nada limpas.
És tão suja!

(2017)

Isto não é um cão, mãe!

Acrílico sobre tela, 01-10-2017

(Não tem significado, simplesmente apeteceu-me experimentar algo com o mínimo de perspetica ou assim)

Poeta?

Escrevo as minhas prosas em verso
E as minhas poesias em prosa
Divido os sentimentos em parágrafos
Odeio sem métrica
Amo sem rima
Penso e escrevo literalmente
Sem metáforas
Sem eufemismos nem alegorias
Mas tão subjetiva

Acentuo erradamente
Enganada pontuo

Valha-me poeta
Que confusão

(22 de maio de 2017)

Rotina Noturna

Dorme, rapariga, pois estás cansada. A máscara que usas durante o dia é recarregada pela tristeza noturna que sentes quando estás sozinha. ...